segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Minha língua e sua função.

         Em algum momento da sua vida, você já se viu "emparedado" diante de um problema, sem encontrar alguma saída possível? E, nessa situação, procurou conversar com alguém alheio ao conflito, que pudesse analisá-lo friamente, localizando os pontos sensíveis, através dos quais a saída "inexistente" acaba aparecendo? Não que essa outra pessoa tenha maior inteligência ou capacidade que você, mas apenas, estando do lado de fora e observando à distância, consegue ver os fatos mais objetivamente, por outra perspectiva.
         E isso resume a atividade da crítica, cuja sua função básica é encontrar a verdade que se esconde por trás do trabalho do artista, enxergar o universo de ideias implícitas na obra que, de tão subliminares, o próprio dançarino talvez não se dê pela conta de sua existência.
         Uma coreografia é, teoricamente, a emoção que o dançarino tenta passar para o público. E aí então podem acontecer duas coisas: que a coreografia seja rica em composição de movimentos e explorada na técnica, mas o público não se emocione com ela, ou então que a obra seja insignificante, de pouco valor artístico, mas mesmo assim o público reaja favoravelmente, dando assim, um valor que, em realidade, ela não possui.
         Nessas circunstâncias, o crítico é um contraponto para isolar as reações emocionais do artista e de seu público, porque a crítica não pode se envolver com o gosto pessoal, a crítica examina o conteúdo com rigor analítico, para tirar suas conclusões, as quais, muitas vezes, vão à contramão das opiniões do público alvo.
         E para fazer isso, apenas é preciso ter conhecimento e uma ampla visão.
         Precisa também (e isso é fundamental) ter a rara capacidade de interpretar os detalhes. O coreógrafo, no momento da criação, é um esquizofrênico virtual, porque ele se isola da realidade para criar o seu próprio mundo, viajando dentro de uma realidade que só ele consegue enxergar.
         Daí que a crítica honesta e capaz é bastante útil para tal, pois serve de balizamento, evitando que ele se afaste demais do real até o ponto de perder o contato com o mundo em que vive. E é útil também para o público, na medida em que este aprende a separar valores reais daqueles outros que são apenas imaginários.
         É impossível haver um encontro entre as ideias do crítico e as ideias do coreógrafo. Arte é contradição, a crítica é uma ciência amparada pela lógica.
         O dançarino é intuitivo, o crítico não. Monteiro Lobato, ao criticar, em 1917, os trabalhos de Anita Malfatti e ao comparar a arte moderna á um burro com um pincel amarrado ao rabo, fazendo rabiscos incompreensíveis, estava exercendo sua posição de crítico. Ele estava errado quanto à visão do futuro, porque a contradição da arte moderna acabou prevalecendo. Entretanto, como um crítico não é um visionário, Lobato estava correto ao exercer seu papel de freio, baseado nos parâmetros de que se dispunha, naquele momento histórico, sobre os conceitos artísticos.
         Com efeito, não importa o quanto os modernistas tinham intuição do futuro, a história da arte moderna registra movimentos artísticos que beiraram à paranóia e que, por isso mesmo, desapareceram tão rápido como surgiram. Foram momentos na história da arte, que não tiveram continuidade, por falta de consistência.
         Enfim, o crítico não enxerga o futuro, apenas analisa o presente. O artista, este sim é um visionário que, por isso mesmo, pode, em vários momentos, perder a noção da realidade.
         Então, cada um com o seu papel: ao artista, cabe inovar, provocar, inserir o futuro no momento presente. Ao crítico cabe frear esses instintos, colocando racionalidade na análise.
         No embate entre essas duas forças contraditórias, acaba surgindo a verdade, que tanto pode estar com o artista, como com o crítico. E o artista que aceita a crítica honesta e competente, tem a chance de se corrigir sem perder sua própria identidade, caso contrário viverá perdido em seu pequeno mundinho.

João Rodrigues

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