E isso resume a atividade da crítica, cuja sua função básica é encontrar a verdade que se esconde por trás do trabalho do artista, enxergar o universo de ideias implícitas na obra que, de tão subliminares, o próprio dançarino talvez não se dê pela conta de sua existência.
Uma coreografia é, teoricamente, a emoção que o dançarino tenta passar para o público. E aí então podem acontecer duas coisas: que a coreografia seja rica em composição de movimentos e explorada na técnica, mas o público não se emocione com ela, ou então que a obra seja insignificante, de pouco valor artístico, mas mesmo assim o público reaja favoravelmente, dando assim, um valor que, em realidade, ela não possui.
Nessas circunstâncias, o crítico é um contraponto para isolar as reações emocionais do artista e de seu público, porque a crítica não pode se envolver com o gosto pessoal, a crítica examina o conteúdo com rigor analítico, para tirar suas conclusões, as quais, muitas vezes, vão à contramão das opiniões do público alvo.
E para fazer isso, apenas é preciso ter conhecimento e uma ampla visão.
Precisa também (e isso é fundamental) ter a rara capacidade de interpretar os detalhes. O coreógrafo, no momento da criação, é um esquizofrênico virtual, porque ele se isola da realidade para criar o seu próprio mundo, viajando dentro de uma realidade que só ele consegue enxergar.
Daí que a crítica honesta e capaz é bastante útil para tal, pois serve de balizamento, evitando que ele se afaste demais do real até o ponto de perder o contato com o mundo em que vive. E é útil também para o público, na medida em que este aprende a separar valores reais daqueles outros que são apenas imaginários.
É impossível haver um encontro entre as ideias do crítico e as ideias do coreógrafo. Arte é contradição, a crítica é uma ciência amparada pela lógica.
O dançarino é intuitivo, o crítico não. Monteiro Lobato, ao criticar, em 1917, os trabalhos de Anita Malfatti e ao comparar a arte moderna á um burro com um pincel amarrado ao rabo, fazendo rabiscos incompreensíveis, estava exercendo sua posição de crítico. Ele estava errado quanto à visão do futuro, porque a contradição da arte moderna acabou prevalecendo. Entretanto, como um crítico não é um visionário, Lobato estava correto ao exercer seu papel de freio, baseado nos parâmetros de que se dispunha, naquele momento histórico, sobre os conceitos artísticos.
Com efeito, não importa o quanto os modernistas tinham intuição do futuro, a história da arte moderna registra movimentos artísticos que beiraram à paranóia e que, por isso mesmo, desapareceram tão rápido como surgiram. Foram momentos na história da arte, que não tiveram continuidade, por falta de consistência.
Enfim, o crítico não enxerga o futuro, apenas analisa o presente. O artista, este sim é um visionário que, por isso mesmo, pode, em vários momentos, perder a noção da realidade.
Então, cada um com o seu papel: ao artista, cabe inovar, provocar, inserir o futuro no momento presente. Ao crítico cabe frear esses instintos, colocando racionalidade na análise.
No embate entre essas duas forças contraditórias, acaba surgindo a verdade, que tanto pode estar com o artista, como com o crítico. E o artista que aceita a crítica honesta e competente, tem a chance de se corrigir sem perder sua própria identidade, caso contrário viverá perdido em seu pequeno mundinho.
João Rodrigues
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