domingo, 27 de fevereiro de 2011

Fraturas por Stress

Denominam-se "fratura por stress" todas as fraturas ósseas ocorridas em conseqüência de uma sobrecarga por exercícios repetitivos chamados de overuse (esforços repetidos), promovendo assim um "cansaço" no osso. A musculatura não está preparada para absorver os choques repetitivos de determinados movimentos; assim, a sobrecarga desse choque vai para o osso onde acabam sofrendo pequenas fissuras ósseas. As fraturas por stress começam como pequeníssimas fraturas chamadas micro fraturas ou micro traumas. São de difícil visualização, pois não aparecem no RX convencional, só são visíveis quando evoluem para fraturas maiores, antes disso, somente é possível detectá-las através de um exame de ressonância magnética. O primeiro sinal indicativo é a dor leve durante os esforços e intensa após os esforços. Os lugares mais atingidos são os ossos da canela (tíbia), os ossos do pé (calcâneo e metatarsos), e as vértebras da coluna, principalmente da coluna lombar. As pessoas que não têm um bom preparo físico e muscular estão mais propensas a terem este tipo de lesão uma vez que não se encontram preparadas a suportar excessos de movimentos sobre as articulações, o melhor exemplo disso são os atletas de fim de semana e os principiantes de academias de ginástica. A maioria deles inicia atividades desportivas sem orientação adequada e acabam se excedendo com o ritmo de exercícios de outras pessoas. Nos atletas amadores e mesmo os profissionais, as fraturas por stress provêm do excesso de treinamento (sem descanso adequado). A primeira atitude a ser tomada é suspender todos os exercícios e treinamentos que estejam sendo realizados pelo indivíduo. A melhor prevenção é fazer um planejamento completo e individualizado das seções de exercícios e treinamento a serem realizados, intercalando movimentos e grupos musculares diferentes, evitando a sobrecarga e fadiga e sempre observando um período de pausa e descanso ao músculo trabalhado. Para atletas que praticam atividades físicas de impacto mais intenso, como corridas de rua, por exemplo, um tênis com proteção anti-impacto é fundamental para reduzir em muito os riscos de fraturas por stress. Não abuse no treinamento e respeite os sinais de cansaço do seu corpo. Não pratique atividade física quando sentir dor pare o exercício e busque orientação médica. Exames minuciosos por imagem e uma avaliação clínica bem feita e correta impedem que a lesão seja confundida com outros problemas. Dessa maneira, o fisioterapeuta pode indicar o tratamento correto e reabilitar a pessoa em um menor espaço de tempo, além de prevenir o surgimento de novas lesões e evitando o retorno do problema antigo, e por seqüência, melhorar a qualidade de vida e o melhor desempenho no seu esporte favorito.

Rafael L. Godoy

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Dor!

O estudo que desenvolvemos sobre doenças profissionais entre Bailarinos Clássicos, no âmbito de um trabalho acadêmico na área da Antropologia Médica, consiste na análise dos constrangimentos e riscos inerentes à organização do trabalho impostos pela sociedade atual no que diz respeito às atividades profissionais ligadas às artes do espetáculo (também designadas por performativas), em particular do Ballet.
A partir de um estudo de caso de uma Companhia de dança, de vocação clássica, situada na cidade de Lisboa e cuja atuação se revela importante não só a nível local e nacional, mas também internacional, procedeu-se ao estudo do quotidiano de trabalho destes “técnicos do corpo”. Observamos as suas rotinas diárias de trabalho (aulas e ensaios), práticas e cuidados corporais, ritmos e formas de sociabilidade.
O estudo do contexto laboral destes “técnicos do corpo” – expressão que se justifica tendo em conta que o corpo constitui, na verdade, o instrumento por excelência dos bailarinos – é socialmente relevante na medida em que o seu quotidiano de trabalho se traduz em solicitações excessivas (frequentemente categorizadas como sendo “contra – natura”) que resultam em doenças incapacitantes não só do ponto de vista das perturbações músculo – esqueléticas como mentais, degradação da qualidade de vida pessoal e familiar e num percurso profissional curto e marcado pela dor e sofrimento constantes.
Nesta linha, pretendeu-se construir um quadro de reflexão centrado na experiência pessoal dos bailarinos afetado por lesões e/ou doenças profissionais que permitisse compreender e interpretar as consequências da doença no seu quadro de vida.
A par deste objetivo constituiu preocupação central dar a conhecer o quotidiano de trabalho destes profissionais, conhecimento esse que se poderá traduzir num contributo para o reconhecimento da especificidade e riscos inerentes a esta atividade profissional na perspectiva de criação de mecanismos de proteção social adequados, nomeadamente ao nível da reconversão profissional.
Existe uma dimensão humana de quem vive e convive com a doença, de quem sofre no corpo, vê e sente a sua qualidade de vida pessoal e familiar afetada. Constatamos que esta é uma “dimensão escondida” do problema das doenças profissionais tanto a nível nacional, como europeu.
O ballet constitui uma atividade física muito exigente a par de outras como o Futebol ou a Alta Competição o que o coloca no ranking das atividades físicas de risco. A progressiva tomada de consciência do Ballet como atividade física altamente exigente e de risco tem conduzido a uma preocupação sobre a prevenção de lesões, doenças profissionais e acidentes de trabalho entre os profissionais do Ballet.
Apesar do amplo conhecimento que existe hoje em dia sobre os problemas de saúde dos bailarinos, a verdade é que pouco tem sido feito no panorama nacional para minorar a situação. Em Portugal esta questão parece-nos estar a dar os primeiros passos, através de algumas iniciativas que aqui e ali procuram despertar a atenção para o problema.
Não nos esqueçamos que o problema tem duas dimensões, a dimensão da degradação da saúde dos indivíduos afetados por doença profissional com as consequências que a mesma acarreta em termos também da perda de qualidade de vida pessoal e familiar e a dimensão social do problema por ausência de uma resposta social por parte dos responsáveis nacionais.
Os riscos desta atividade passam por fatores como o cansaço, organização do trabalho (épocas de muita atividade a contrastar com outras de pouca atividade, horários muito preenchidos) coreografias complexas, superfície do palco inadequada, sapatilhas de pontas, hiper extensões, saltos, quedas, colisões, stress associado à competição e perfeição técnica inerentes.
De uma maneira geral, os testemunhos que colhemos através das narrativas de vida demonstram que existe por parte destes profissionais a percepção dos Riscos enunciados como da Dor. No entanto, estes dois fatores são parte integrante da sua identidade profissional. Correr riscos e sentir dor para dançar faz parte do seu destino profissional.
Muitos testemunhos referem-se a dançar com dor como se esta fosse à verdade uma competência/condição e não uma consequência de posturas anti-natura e de um excesso de uso do próprio corpo. A dor pode ser reveladora de doenças, mas, na realidade, no caso das doenças mais graves estas tendem a instalar-se sem aviso prévio e quando a dor chega, pode ser tarde demais.
Torna-se assim necessário abandonar a ideia de que a dor pode ser benéfica enquanto sinal atentado de algo mais grave. A dor constitui um dos impactos negativos na saúde dos bailarinos e reflete a existência de uma lesão ou doença profissional. Mas se a questão da dor parece ser aceite como “natural” à condição profissional e, nesse sentido, desvalorizada pelos próprios o número de lesões ocorridas nas Temporadas 2006/2007 e 2008/2009 não deixam dúvidas que a profissão tem um impacto negativo na saúde.
Os aspectos enunciados e apontados como as principais causas das lesões/doenças entre os bailarinos sugerem que a forma como o seu quotidiano de trabalho se organiza, a ausência de uma equipa de especialistas multidisciplinar (quer dizer, as suas condições de trabalho) proporciona a existência de condições favoráveis ao surgimento de lesões/doenças.
As estratégias pessoais dos bailarinos para suportar a dor, nem sempre são adequadas e passam pela toma de medicamentos (analgésicos) e pelo abuso de substâncias.
Outro dos impactos negativos na saúde do bailarino relaciona-se com a imagem de si próprio, a partir do corpo. O corpo constitui a ferramenta de trabalho do bailarino e nesse sentido as exigências com o corpo (em particular da bailarina), nomeadamente a manutenção de um corpo isento de gordura e com linhas alongadas têm dado origem a distúrbios alimentares. Os testemunhos que tivemos oportunidade de recolher também nos expressaram este problema e alguns defendem a ideia de que se nasce com um determinado corpo (adequado) para se poder ser bailarino. Não podemos deixar de notar que os bailarinos falam mais abertamente destes problemas do que as bailarinas. Estamos em crer que esta abertura se relaciona com o fato de os distúrbios alimentares se inscreverem, ao que tudo indica neste meio, mais frequentemente no feminino.
As questões inerentes ao corpo traduzem-se de forma diferenciada para os bailarinos consoante o gênero, constata-se que a iniciação no mundo da dança nas raparigas e nos rapazes apresenta traços distintivos
A carreira dos bailarinos é considerada de rápido desgaste o que lhe confere uma temporalidade limitada. Na esteira deste reconhecimento, o Decreto-Lei n.º 482/99 de 9 de Novembro define o regime especial de acesso à pensão por velhice dos profissionais de bailado clássico ou contemporâneo beneficiários do regime geral da segurança social.
Sendo o corpo, como temos vindo a sublinhar, o instrumento de trabalho por excelência do bailarino torna-se evidente que o envelhecimento, normalmente associado à maturidade e experiência e que na generalidade das carreiras se podem considerar até vantajoso, acarreta menos aptidões físicas e mais problemas de saúde o que limita a duração, em condições adequadas, da profissão de bailarino. Acresce ao problema do envelhecimento o fato de esta ser uma profissão à qual estão associados diversos riscos que se traduzem em várias lesões ao longo da vida profissional, degradando assim a condição física e/ou agravando os problemas de saúde ditos próprios do processo de envelhecimento. Na verdade, existe a noção de que a carreira é curta e que um dia terão de deixar de dançar. Ainda que a Reconversão profissional seja possível, a mesma não é fácil e os motivos são diversos. A maioria dos bailarinos entra no mundo da dança muito cedo o que não só contribui para a ideia da tal comunidade «fechada», porque lhes retira tempo para a sociabilidade como lhes retira igualmente tempo e energia para outros interesses acadêmicos importantes para o futuro.
A preparação escolar de muitos bailarinos é frágil e ainda que dominem um importante capital de conhecimentos relacionados com a sua profissão verificamos que o impacto do fim de carreira é um problema de grande complexidade visto a reconversão profissional não ser fácil, as possíveis escolhas de o futuro continuar a passar pelo mundo da Dança onde seguramente não haverá um lugar para todos e finalmente há um sofrimento, uma angústia face ao fim da carreira.
Há a consciência, em alguns destes testemunhos, de que é importante terminar a carreira com dignidade. E isso significa deixar a carreira, em termos práticos, quando se atingiu o auge. Ser-se capaz de parar quando se atingiu a perfeição.
Do ponto de vista da conciliação entre a vida profissional e a vida pessoal e familiar as dificuldades mais sentidas, são-no, sobretudo quando existe família sejam os ascendentes, sejam os descendentes. As dificuldades apontadas são transversais a todas as profissões e parecem traduzir um padrão de vida moderna em que os ritmos de trabalho são, cada vez mais, acelerados, pois a produtividade é uma exigência e o tempo de lazer e para a família é assim reduzido. Deve, no entanto salientar-se que a exigência física da profissão tem um impacto negativo na vida pessoal e familiar do bailarino não só pelo risco de lesões, e consequentemente de abandono precoce da atividade profissional como pelo fato de a atividade ser diurna (aulas e ensaios) e noturna (espetáculos), implicar deslocações pelo País e estrangeiro (Tournées) e pela (não) capacidade de exercer atividades familiares comuns.
Outro aspecto que, no âmbito desta temática, não deverá ser negligenciado e que se relaciona com o tempo que se dedica ao lazer prende-se, justamente, com a visão do mundo dos bailarinos. Houve nos testemunhos recolhidos, de forma recorrente, a ideia de que estes se fecham não apenas sobre si mesmos, como restringem a sua rede social ao universo dos bailarinos o que tem consequências negativas para os próprios.
Se for verdade como refere Le Breton que «Em numerosos casos, a dor é, de forma imediata ou secundária, uma função antropológica de manutenção da identidade». E que a mesma constitui um traço do mundo do Ballet, algo inerente à sua identidade profissional parece-nos legitimo afirmar que esta função antropológica de manutenção da identidade está em transformação. Os sinais dessa transformação fazem-se ouvir através de vozes dissonantes e organizadas em movimentos sociais pela defesa de uma carreira profissional saudável, que questionam o número de horas e os métodos de trabalho, que procuram soluções de continuidade profissional em áreas afins que lhes permita continuar a sentirem-se socialmente úteis. Reivindicam condições de trabalho adequadas, Medicina do trabalho e assistência médica, pois não reconhecem que o destino dos bailarinos tenha que passar necessariamente pela doença, dor e sofrimento, como uma espécie de provação terrena que afeta a sua vida pessoal e profissional. Estas são as vozes que dão voz à dimensão humana das Doenças Profissionais entre os Bailarinos.
Rita Cortes Branco
Núcleo de Programação e Avaliação Operacional
Centro Nacional de Proteção contra os Riscos Profissionais

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A Técnica e a Emoção

Dançar é aventurar-se na grande viagem do movimento emocional. Na vivência da relação mundo-eu, é força de relação com o mundo exterior
Dançar não significa reproduzir forma. A forma pura por si só é fria, estática e repetitiva. As formas catalogadas, conhecidas e robotizadas em nossa memória criam uma forte barreira à criação de movimentos novos e ricos em expressão como também bloqueiam uma relação integral com o mundo e a dimensão existencial revelada através do corpo, esta deixa de existir. A descoberta do “eu” interior, da existência do ser, do individual e criativo do homem é fator importante para a Dança. São estas características que a torna uma forma de expressão da comunidade humana que o dançarino integra como aporte efetivo.
Esta abordagem teve o propósito de deixar transparente que o trabalho em dança, quando usa excessivamente técnicas formais, divorcia o movimento do impulso vital. Os movimentos produzidos por artifícios somente técnicos são destituídos de emoção e poderão ser confusos e pouco objetivos na forma de expressão.
O valor da técnica na Dança está em seu sentido utilitário e não como um fim em si mesmo. A técnica seria um meio eficaz para canalizar o movimento expressivo a atingir os seus propósitos – plena sintonia entre dançarinos e o mundo pela sua comunicação gestual.
A essência da técnica consiste em organizar e difundir um determinado conhecimento sobre o próprio corpo e as possibilidades dos movimentos existentes em potencial. A clareza e a objetividade dos movimentos permeados pela técnica cristalina e transparente fazem à beleza do movimento. A limpeza do gesto e movimento expressando o que se busca expressar; ganha a beleza e emoção, traz como consequência, valor estético da dança. Manifestar sentimentos, emoções e intenção em relação à realidade que cerceia o dançarino confere a expressão de um movimento coreográfico uma natureza sequencial de verdades pela dimensão autêntica do movimento executado.