sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Nietzsche e a dança.


O objetivo desse post é modesto, ainda que, possivelmente, de considerável pertinência: trata-se de situar a noção de dança nos escritos de Nietzsche, mais especificamente, em seu Zaratustra. Isso porque sabemos da importância que o filósofo conferiu à dança nessa obra, identificando o homem de “espírito livre” como “aquele que dança”. No entanto, é necessário que se situe, com recortes da ética e da estética, a configuração desse termo “dança” para que, com isso, não sejamos levados a tomar a acepção usual moderna da palavra como matriz explicativa para o conceito realmente presente na filosofia nietzschiana.
            Para isso, é preciso que se compreenda que Nietzsche elege a dança com base em um referencial helenístico, fundamentalmente inserido no que se chamavam cultos dionisíacos. A estética da dança, para Nietzsche, está compreendida em um referencial antagônico aos modelos apolíneos que fundamentaram o nascimento da tragédia e, desse modo, podemos afirmar que a dança como modelo baseada no virtuosismo técnico e coreográfico, muitas vezes presente no cenário atual, é fundamentalmente diferente da alegoria nietzschiana. As premissas elementares dessa afirmação é o que se encontrará nos parágrafos seguintes.
            Estando o objetivo desse texto circunscrito ao conceito de dança em Nietzsche, muitos outros conceitos importantes do filósofo, relacionados inclusive com o universo do corpo, são apenas anunciados em sua formulação mais evidente, servindo de fundamento para análise, mas não objeto da própria análise, o que seria tarefa profícua, mas transcenderia os interesses presentes. Ao situar o conceito de dança em Nietzsche no seu panorama teórico adequado pensamos contribuir tanto para um saber filosófico, concernente à justa adequação dos modelos explicativos aos seus fundamentos, como, também, para o universo de estudo do corpo e da Educação Física que, ao se utilizarem do conceito em questão, fundamentem-se pela escolha certa das premissas.
Nietzsche e a dança
            A obra prima do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) é, sem dúvida, o livro “Assim falou Zaratustra”, produzido entre os anos de 1833 e 1885. Como escrito fundamental de seu pensamento, encontram-se nele os referenciais fundamentais de sua filosofia: a vontade de poder como essência da vida, a crítica à racionalidade, o eterno-retorno, o super-homem, o apolíneo e o dionisíaco. De modo alegórico, a dança aparece como uma importante metáfora nas andanças do personagem central da obra, Zaratustra. Mas qual é o sentido dessa metáfora, ou de modo ainda mais circunscrito, o que essas metáforas podem trazer de interessante para o pensar sobre a dança?
            Para responder a essas perguntas trata-se de realizar o caminho inverso da metáfora nietzschiana, ou seja, se no Zaratustra a dança aparece como um suporte para o desenvolvimento de certa reflexão filosófica, nossa tarefa é a de partir dessa reflexão expressa por Nietzsche conduzindo-a para o fenômeno particular da dança. O que queremos, em uma imagem simples, é um movimento espiral tal qual o de um rodamoinho de vento que, circularmente, ascenderia, captaria outros saberes e os depositaria novamente no solo. Assim, dança e filosofia devem revelar traços comuns, intersecções, formas similares de se situar perante a vida. É justamente esse posicionamento perante a vida que move Zaratustra em suas andanças. Caminhando de cidade em cidade, de povoado em povoado, Zaratustra conhece o ser humano e profere discursos sobre esse ser à luz do seu projeto que é tanto o de identificar quem é o homem, como o de propor um “além do homem” (übermensch).
            Esse homem que Zaratustra encontra não está pronto, é mutável em sua essência. A natureza do homem é, então, metamorfosear-se. Para Nietzsche, são três essas possíveis metamorfoses, e é com essa percepção que o primeiro discurso de Zaratustra é proferido (NIETZSCHE, 2005, pp. 51-53). Primeiramente o homem conhece o espírito do camelo, aquele que trabalha, que suporta grandes cargas, que obedece o “tu deves” como sua orientação de vida. Para esse espírito, nenhum esforço é demasiado e o homem que é dotado de tal energia não sucumbe facilmente às dificuldades que a realidade lhe impõe. No entanto, há um espírito ainda mais forte, um espírito que está além do esforço em cumprir tarefas, de carregar fardos, trata-se de um espírito que tem em si o poder, a onipresença, a capacidade de se impor. Esse é o espírito do leão. Forte em sua essência, tranqüilo em sua presença, absoluto em sua dominação. O leão é expressão do “eu quero”. Mas resta ainda ao homem a possibilidade de uma terceira metamorfose. O espírito humano pode ir ainda mais além da resistência do camelo ou da força do leão: ele pode assumir o espírito da criança. O mais poderoso dos espíritos é aquele que tem em si a criança e isso significa, fundamentalmente, a capacidade de ser livre, de brincar com a vida, de esquecer ativamente e de amar a existência.
            Em suma, o espírito da criança é um grande “sim” à vida. Essa posição da filosofia de Nietzsche, que encontra fundamento, em parte, na influência que Schopenhauer teve sobre seu pensamento, é conhecida por “vitalismo”. Tanto em Schopenhauer como em Nietzsche o vitalismo é uma filosofia de inclinação radical à vida. No caso da metáfora do primeiro discurso de Zaratustra, o espírito da criança compreende esse amor e, assim, trata do homem que tem vontade. A vontade, como categoria filosófica, é essencial no sistema de pensamento de Schopenhauer, que define o sentido da vida como o da “vontade de viver” e, em Nietzsche, também é fundamental, na condição de “vontade de poder”.
            Brincar com a realidade, dizer sim à vida, mover-se como um ser de vontade. Esses são os primeiros passos, ou o pano de fundo para se compreender o porquê da escolha de Nietzsche pela metáfora da dança. A dança parece querer essa leveza ou ligeireza. A agilidade do dançarino é o suporte da vida vivida com o espírito da criança. A dança que Nietzsche enxerga é aquela que não tem códigos determinando sua ação, mas, ao contrário, ela é a própria desintegradora dos códigos, dos lugares-comuns, da normalidade.
            Desde suas primeiras obras Nietzsche percebe o papel transformador da arte. Em um mundo dominado pela fraqueza moral, na qual os homens se submetem ao medo e, assim, renunciam à vida, a arte aparece como representante de um poder vital. A dinâmica da arte é capaz de reintegrar o homem à vida, devolvendo a energia que a submissão lhe roubara. Essa forma de entender a arte é fundamentalmente antagônica àquela que se desenvolve após o advento da tragédia no cenário grego dos séculos V e IV a.C. Fundamentando um novo formato para o teatro, no qual nota-se a presença do solista, do coro ensaiado, dos recursos cênicos não espontâneos o teatro vai se configurando, na opinião de Nietzsche (2003), em uma forma institucionalizada de se conduzir as emoções e de se obliterar o papel dionisíaco da arte. Para que arte seja de fato vital e ofereça ao indivíduo uma experiência única e totalizante sobre a vida ela deve ter a energia anterior ao do regramento trágico, ela deve ser, em suma, dionisíaca.
            Os cultos dionisíacos estão, certamente, entre as manifestações mais efusivas da cultura helenística. Em homenagem ao deus do vinho, clamando-se por sua fertilidade, os cortejos eram levados ao êxtase entusiástico conduzidos, sobretudo, pelo vinho e pela dança. A dedicação de Nietzsche ao resgate dos valores pré-socráticos da cultura grega, em especial, do dionisismo, levou-o, assim, à valorização da dança. Pois então há de se compreender que essa dança, que Nietzsche nos apresenta como enérgica, visceral, destruidora, é uma dança dionisíaca, uma expressão de êxtase e entusiasmo do corpo com a música, com o divino e com o outro. Vejamos, brevemente, cada uma dessas relações em separado para, assim, tecermos mais algumas reflexões sobre a dança a partir das imagens de Nietzsche.
A dança e a música
            A música exerce, na filosofia de Nietzsche, um papel fundamental. Desde sua aproximação de Wagner até o rompimento de sua relação com o compositor, sempre esteve presente a convicção do filósofo alemão sobre o papel educativo central da música. Tal papel educativo não se circunscreve à educação formal e seus métodos, Nietzsche vê na música uma função educativa muito mais ampla, que tem a capacidade de conduzir a humanidade a uma esfera superior de sua relação com a vida, desequilibrando as obviedades pela “comovedora violência do som” (2003, p. 34). A teoria estética de Nietzsche sobre o mundo grego é baseada na divisão de forças entre dois grandes modelos, representados pelo apolíneo e pelo dionisíaco. Apolo, deus solar, é o representante estético da harmonia, das formas exatas, da ordem e da beleza equilibrada. Dioniso, deus do vinho e da metamorfose representa os excessos, o poder do caos, do entusiasmo e da energia. A arte apolínea, por excelência, é a escultura ao passo que arte dionisíaca é a música. No entanto, notemos que, por essa origem ritualística que embasa a reflexão de Nietzsche, a dança e a música formam uma unidade e é assim que devemos entender, portanto, as menções posteriores que o filósofo fará à dança. Esse cuidado nos alerta que, se tomarmos como referencial certos modelos atuais para compreender a dança estaremos escolhendo algo fundamentalmente diferente daquilo que deu substância ao pensamento nietzschiano. Nas festas dionisíacas, música e dança são uma unidade, não há estética contemplativa (que é apolínea e trágica), mas uma atividade, no sentido de uma participação ou entrega do indivíduo ao contexto.
            A dança esquadrinhada, técnica, conduzida ao passo e à previsibilidade coreográfica nada tem em comum com a espontaneidade do culto dionisíaco. A dança que Zarathustra pode nos oferecer, portanto, não é da ordem do modelo, da técnica ou da norma, mas sim a do improviso, da embriaguez e da fruição. Segundo Nietzsche (2007, p. 82) a obra “Assim falou Zaratustra” pode ser entendida, ela própria, “inteiramente como música”.
A dança e o divino
            As práticas corporais na Grécia antiga, muitas vezes, são mal interpretadas quando colocadas sob a lente da interpretação contemporânea. Isso porque somos levados a crer que tais práticas possuíam uma razão em si mesmas, tal qual podemos identificar na atualidade. Hoje, a dança, o esporte, a luta, entre outras manifestações do movimento humano são fenômenos que, embora evidentemente ligados ao todo social, à cultura que as abriga, ao mesmo tempo são capazes de produzir suas formas autônomas de existência. No universo da tradição grega, esses fenômenos não eram encontrados de forma autônoma, estavam sempre ligados a outras expressões da vida social, em especial, a religião. Não seria equivocado afirmar que eram, sob certos aspectos, apenas desdobramentos da religião ou, de modo mais abrangente, parte intrínseca do relacionamento do homem grego com o divino.
            Quando Nietzsche remete-se à dança, esse é o panorama de sua referência. Uma dança divina, relação do homem com seus deuses por meio do corpo. Dançar, por essa razão, é transcender a esfera mundana. No caso da interpretação nietzschiana essa transcendência não é a do espírito ou, ao menos, não de um espírito que abandona o corpo tal qual na tradição cristã. O corpo é objeto central na relação com o transcendente nas festas sagradas entre os gregos e a dança é uma das formas de elevar as potências corporais até o nível da harmonia divina.
            Estamos no âmbito, portanto, de uma dança dionisíaca. As festas em homenagem ao deus do vinho tinham como um dos elementos centrais a dança que, em conjunto com a bebedeira eram os elementos centrais do estado de “embriaguez divina” que os gregos almejavam fervorosamente nesses rituais. A música, caracterizada pelo coro ditirâmbico, era a expressão da coletividade que encontrava eco na dança. A dança que Nietzsche nos lembra, portanto, é uma dança coletiva. De fato, na sua tese sobre a derrocada dos valores vitalistas da cultura grega, evidenciadas esteticamente pelo nascimento da tragédia, a destituição do coro ditirâmbico, sendo substituído por um coro ensaiado e em complemento à função do solista é uma forma de normalização da potência criativa e coletiva da estética grega dionisíaca.
            A dança que nos fala Nietzsche, portanto, é uma dança ao mesmo tempo corporal, no sentido material, e transcendente no sentido divino (mas não metafísico). Zarathustra, em suas andanças, encontra povos fracos, ressentidos, assolados pela moral de rebanho que os coloca em papéis de coadjuvantes em suas próprias vidas. Essas pessoas não dançam mais, pois não se permitem mais elevar-se ao divino. As esferas mundanas, da qual faz parte o corpo e a dança, e a esfera divina, transcendental, são fenômenos completamente dissociados na cultura judaico-cristã. Toda forma de aproximação do elemento divino por meio de práticas corporais foi conduzida à categoria do profano. O que Zarathustra busca ensinar aos homens, por essas razões, é que eles devem dançar.
A dança e o outro
            Por fim, resta ainda observar que quando o Zaratustra de Nietzsche conclama os homens a dançar dessa forma, há nessa orientação um combate ao profundo individualismo em que o homem se encarcerou. A essa forma de pensar e agir, na qual o indivíduo elege a si mesmo como “a medida de todas as coisas” 2, Nietzsche chamou de “Princípio de Individuação” (2003, p. 30). O dionisíaco e a dança, como energias coletivas, têm o poder de reconciliar o homem e a natureza, o homem e o outro. Leiamos essa possibilidade apontada por Nietzsche (2003, p. 31):
            Sob a magia do dionisíaco torna a selar-se não apenas o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada, inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa de reconciliação com seu filho perdido, o homem.
            A visão de Nietzsche, nesse sentido, é holística. A dança a que ele se refere, portanto, é aquela que serve como fenômeno de integração, de harmonização, sem, contudo, ser pacífica. Sendo dionisíaca, trata-se de uma dança guerreira. Celebra-se a vida e a natureza humana, mas sabe-se que essa natureza é conflituosa e não se escapa de tal tensão. O lado noturno é tão importante quanto o diurno, a dança evoca tanto o sublime quanto o terrível.
            Esse equilíbrio estético foi perdido pela dança romântica, que valorizou apenas o lado dito moralmente nobre do humano e elegeu Apolo, em suas formas, medidas e equilíbrio como o único referencial a ser seguido. No entanto, danças profanas, populares ou ritualísticas trazem sempre à tona o poder dionisíaco novamente, mostrando-nos que, em essência, a dança que Zaratustra nos incita parece ser insistentemente clamada pelo corpo e pela vitalidade.
Considerações finais
            O conceito de dança em Nietzsche não aparece fortuitamente. Tampouco tem uma importância apenas metafórica no sentido de um recurso de linguagem meramente estilístico. O filósofo alemão parece ter escolhido esse fenômeno por suas qualidades intrínsecas de representar o potencial dionisíaco que o homem deve assumir para superar sua condição de fraco, para ir além da moral de rebanho, para atingir o “super-homem”.
            Sua crença no papel da arte como fenômeno educativo e transformador, expressão vitalista por excelência, vislumbra a música e a dança como veículos de uma profunda transvaloração. Ainda que a dança apareça, fundamentalmente, como alegoria, é possível pensar em sua execução material nos moldes das intenções descritas por Nietzsche. Mas, para isso, é preciso que alguns entendimentos, tais como os propostos por esse texto, não deixem que o imaginário atual sobre uma dança vulgarizada ou esquadrinhada tecnicamente acabe por desviar a essência do entendimento expresso por Nietzsche em torno desse conceito.
            A dança, em Nietzsche, é uma expressão da vitalidade, da vontade de poder, da capacidade do homem em agir de modo “ativo” em uma cultura que o quer apenas “reativo” (NIETZSCHE, 2004, p. 63). Essa atividade o coloca como protagonista de sua vida, sem, contudo, estar ensimesmado. A dança é um “sim” à vida, mas só pode ser dançada por quem compartilhe desse “sim”, por aqueles que queiram se embriagar. A dança é, assim, sempre uma homenagem a Dioniso e o deus do vinho é sempre um tributo à vida.
NIETZSCHE, Friedrich. O Nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
NIETZSCHE, Friedrich. Ecce Homo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Efeitos da falta de conhecimento...


O sonho de toda bailarina é subir nas pontas, mas o que acontece quando a bailarina não está pronta para usar as pontas? Ou então seu professor não possui domínio técnico suficiente para corrigi-la?
Começar a usar ponta “na louca”, ou então acreditar que o que está aprendendo é realmente correto resulta em atitudes que podem gerar lesões graves e, em alguns casos, até permanentes, pela falta de técnica nas pontas. Subir nas pontas chega a ser fácil na concepção do inexperiente, já que as sapatilhas têm um revestimento de gesso, que possibilita à bailarina ficar nas pontas com estabilidade. Mas, o maior problema é: seus pés estão prontos para estar nesta posição? Seus tornozelos são fortes e flexíveis o suficiente para manter esta posição, sem causar nenhum dano, como torções, luxações, ou lesões? Seus pés estão trabalhados o suficiente para ficarem na posição correta? Todo o seu corpo está preparado para colocar o peso e o equilíbrio necessários nas pontas?
Há algumas semanas estou pensando sobre o que tenho visto nos palcos de minha cidade e, percebi que as bailarinas estão literalmente se jogando na ponta. Infelizmente algumas pessoas não estão conscientes do que é correto, do que é bonito, do que, realmente é ballet. Não podemos culpá-las por isso, acredito sim que a grande culpa é de quem ensina e que no mínimo deveria ter bom senso do que é esteticamente apresentável ao público. Estive fora por um tempo, e percebi que a dança, o comportamento dos dançarinos em União da Vitória é muito estranho, tanto que chega ser bizarro. Aqui temos um pouco de tudo... Já imaginou todos juntos em uma sala? Eu pagaria pra ver. Não entendo, todos tem chance de se aprimorar, aprender e estudar. É só querer, é triste ver que tem "profissionais" que criam um universo paralelo, onde tudo é belo e onde são os melhores do planeta! 
Voltando as pontas...
O uso das sapatilhas de ponta, quando iniciado cedo demais, força a estrutura muscular, os tendões e os ligamentos, ocasionando problemas ortopédicos graves, como pé chato, no qual não se desenvolve a curvatura, deixando os ligamentos frouxos, criando hérnias na cápsula articular nos ligamentos das articulações ósseas e calosidades.
Certas tendências e formações imperceptíveis inicialmente podem se agravar, como problemas de coluna, observados nas posturas quase sempre erradas. Várias são as bailarinas com joanetes, calos e com problemas nos joelhos. Podem surgir joelhos elásticos ou para trás, em consequência de ligamentos distendidos. “Outras deformações ainda podem advir do uso precoce de pontas, com os pés em garra, ou seja, com os dedos encolhidos, como sugere o nome.”
"O trabalho nas pontas faz com que os dois primeiros metatarsos suportem a maior parte do peso corporal. Consequentemente, quando as bailarinas aprendem a dançar nas pontas dos pés, esses ossos começam a sofrer processos de remodelagem, de forma que a cortical do primeiro e do segundo raio torna-se muito mais espessa que nas pessoas que não dançam. Durante o treinamento, e até mesmo através da carreira, esses ossos, em particular o segundo raio, correm o risco de sofrer uma fratura por estresse.
A manifestação habitual é aquela com início gradual de dor na base do segundo metatarso, que, no início, aumenta com o trabalho na ponta dos pés, e costuma ser seguida por dor ao adotar a posição de meia-ponta. Se não for tratada, a dor pode manifestar-se até mesmo no andar.
Como as sapatilhas para o trabalho de ponta são bem mais rígidos e mais estreitos que as sapatilhas de meia ponta, a realização de tração sobre o chão é mais difícil até mesmo quando os pés estão totalmente em contato com a superfície. A falta de força no pé e no tornozelo pode resultar em entorses agudas do tornozelo ou lesões por uso excessivo, tais como tendinite do tendão de Aquiles, e tendinite tibial posterior.
“Na dança, a maioria das lesões deve-se a erros de técnica e de treinamento."
Praticamente, todas as escolas de ballet aceitam iniciantes adultos, onde você poderá ter aulas, fazer os treinamentos além de aprender os fundamentos do ballet. Você aprenderá a ter mais disciplina, e isso fará bem para você. Converse com o profissional, informe seu desejo de trabalhar para subir nas pontas. Ele fará uma avaliação em seu corpo, observará você em seus exercícios, e trabalhará para isso. Mas, não faça, em hipótese alguma, por conta própria. Você não tem o conhecimento necessário para fazê-lo e isso poderá trazer sérios danos à sua saúde.
As aulas de ballet trazem uma série de exercícios para auxiliá-la a subir nas pontas. Fortalecimento dos pés e seus músculos, flexibilidade dos tornozelos e alongamento de tendões e músculos, fora os demais exercícios para o corpo todo. Lembre-se, o ballet não está nos pés, está em todo o corpo. Não adianta ter um pé preparado se não há a postura correta.
A beleza do ballet está na forma perfeita, em que a impressão que se tem é que a bailarina não faz esforço algum, não tem quase peso, e pode até mesmo voar, leve como uma pluma. Mas, para dar esta impressão etérea, é preciso muito trabalho. Só mesmo a bailarina sabe a quantidade de força que coloca em seu corpo, nos músculos certos, para que uma perna se erga suavemente, como se não tivesse peso algum. Só uma bailarina sabe o quanto seu pé sofre para ficar na ponta, e seu corpo se equilibra para manter esta pose, como se não pesasse nada.
Ismael Guiser disse uma vez que o ballet é a arte da paciência.
E Baryshnikov disse que antes de tudo é necessário o conhecimento, a técnica. Depois é que vem a diversão...

Boas Férias!

João Rodrigues

quarta-feira, 30 de maio de 2012

A Russa Agripina


Agripina Vaganova foi a primeira bailarina a perceber a importância de um programa de ensino. Ao codificar seus “Princípios básicos do ballet clássico”, livro adotado no mundo inteiro, ela não apenas dividiu o ensino em diferentes níveis, como conferiu a cada um deles um programa determinado a ser seguido.
Os programas de ensino funcionam como uma ferramenta guia para o professor e como orientação para estudantes em vias de profissionalização. A organização e progressividade do conteúdo dos diversos níveis de ensino e das aulas diárias são muito bem contempladas nas diversas escolas, revelando a decomposição de cada movimento ou exercício adotado pelo vocabulário do ballet clássico e revelando e registrando para o estudante a lógica de sua construção.
Movimentos como dessus e dessous, freqüentemente traduzidos pelo professor como “para frente – en avant, ou para trás - en arrière” – são esclarecidos dirimindo as dúvidas possíveis. De fato, dessus significa por cima - sobre, e dessous - sob. Exemplificando, o movimento para frente não necessariamente envolve a idéia contida no dessus.
Uma maneira fácil de ensinar o sentido do dessus e do dessous é deitar o aluno no chão e orientá-lo a executar, deitado, a 5ª posição de pés. Imaginando-se a perna direita por baixo da esquerda, pedir ao aluno para passar a perna direita por cima da esquerda, o dessus; o movimento contrário executado com a mesma perna, passando-a por baixo da outra perna, representa o dessous.
Diz Vaganova:
 “(...) Os exercícios diariamente ensinados na barra vão, gradativamente sendo levados para o centro. O adágio e o allegro são trabalhos que se seguem nos exercícios do centro. Os bons hábitos adquiridos pelos estudantes nos exercícios devem ser mantidos na prática diária e devem ser baseados em estritas regras metodológicas (...) O trabalho acumulado durante as lições deve ser equilibradamente distribuído por todos os exercícios. Se o professor entender que é necessário, por exemplo, intensificar o número de repetições de certos movimentos, então ele poderá diminuir a quantidade de exercícios seguintes, uma vez que toda sobrecarga de trabalho é nociva e conduz ao enfraquecimento da musculatura e dos ligamentos. Como resultado disso, as pernas podem facilmente serem prejudicadas.”

E enfatiza:
“(...) A seqüência dos exercícios não deve ser casual. Dependendo do grau de dificuldade, o professor deve adotar uma combinação lógica e útil dos movimentos e não ligá-los em combinações meramente considerando o desenho (...)”
Vaganova dá muita ênfase à busca da estabilidade como um dos elementos estruturais da dança clássica:
(...) Para alcançar a estabilidade se faz necessário dar ao corpo condições de manter-se seguro e firme nas diversas poses e exercícios sobre o pé inteiro, na meia ponta e na ponta, tanto no trabalho de saltos e giros, à terre ou en l‘air e nas conclusões de movimentos, evitando mexer a perna de base ou quicar sobre ela. Será, igualmente, de fundamental importância para o trabalho de pas-de-deux... O desenvolvimento da estabilidade tem início no primeiro ano, em exercícios de barra, quando o aluno começa a entender a distribuição do peso do corpo sobre uma ou sobre ambas as pernas. A fonte da estabilidade localiza-se na coluna e sua base repousa na preservação do eixo vertical que passa pelo meio da cabeça e do corpo e vai até o peito do pé de base colocado inteiro no chão. O equilíbrio vai depender da combinação do peso do corpo corretamente colocado sobre o eixo e da sua postura alongada (...)"

De acordo com Vaganova, na sua forma final, o acento do frappé, exercício cuja utilidade depende da dinâmica de sua execução, recai, obrigatoriamente, para fora. Exercícios com acentos para dentro podem ser ministrados com a função de destacar a diferença entre as duas acentuações. O acento que recai para dentro transforma o battement frappé, praticamente em um balloné.
A seqüência dos exercícios da barra não é determinada displicentemente. É sim, o resultado de um longo curso de desenvolvimento, onde os professores introduzem muitas mudanças e muitas contribuições.
Vaganova considera a posição sur le cou-de-pied de pés - quando os dedos envolvem o tornozelo – como devant, mas ela pode ser considerada básica à medida que coloca o pé na posição correta em qualquer direção par terre ou en l’air. Sua aplicação deve ser adotada ao longo de toda a vida do bailarino.
Os exercícios executados no centro da sala têm a mesma importância e desenvolvimento dos feitos na barra e sua seqüência é, basicamente, a mesma. Contudo, é consideravelmente mais difícil preservar o en dehors das pernas e a estabilidade do corpo, especialmente na meia ponta, sem a ajuda da barra.

Adágio
Sempre enfocando a escola de Vaganova, ela chama adágio ao fraseado da dança que consiste em vários tipos de developpés, relevés lent (degagés en l’air), tours lents (promenades), port du bras, todos os tipos de renversés, grand fouettés , tours sur le cou-de-pied e tours em grandes poses. Os movimentos do adágio são aprendidos gradativamente.
Nas classes elementares o adágio compõe-se de formas simples de degagés en l’air à 90º, developpés e ports-du-bras executados em tempo lento e sobre o pé inteiro; nas intermediárias o adágio é complicado por piruetas em grandes poses, estabilidade prolongada na meia ponta em poses à 90º, preparações para tours, tours sur le cou-de-pied, Transferências de uma pose para outra, etc. O tempo do adágio torna-se, então, ligeiramente acelerado em relação às classes elementares; nas adiantadas o conceito de adágio adquire caráter relativo, uma vez que passa a ser construído não somente em andamentos moderados, mas também em tempos mais acelerados, incluindo-se até vários saltos. Deixa, então, de ser um adágio “típico”, porque essa aceleração e sua qualidade dinâmica levam-no próximo ao allegro. De fato, ele prepara o corpo para os allegros.

Allegro
Os saltos são a parte mais difícil das aulas. Tudo o que é produzido pelos exercícios da barra, do centro e pelo adágio estão diretamente ligados aos saltos e de muitas maneiras favorecem o seu desenvolvimento. Mas uma atenção especial deve ser concedida aos próprios saltos. Um salto vai depender da força dos músculos da perna, da elasticidade e força dos ligamentos dos pés e dos joelhos, do desenvolvimento do tendão de Aquiles, da força dos dedos e, especialmente, da força das coxas.
Cada novo salto é estudado frente à barra, depois do que passa a ser praticado na barra e no centro da sala.
Os saltos de 2 para 2 pernas devem preceder os demais, não apenas na etapa de sua iniciação no programa de ensino, mas nas aulas diárias ao longo de toda a vida do bailarino. Aos de 2 para 2 pernas devem se seguir os saltos de 2 para 1, de 1 para duas e de 1 para 1 perna, numa evolução gradativa.
Depois disso as dificuldades técnicas dos grandes saltos podem ser introduzidas, seguidas pelas combinações de pequenos saltos com baterias. A escola de Vaganova tem vários pontos importantes que não poderiam estar resumidos em um ensaio, dentre os quais a valorização do épaulement, elemento fortemente presente nas danças populares russas, e o excepcional trabalho de braços e de mãos.
João Rodrigues

A Escola Francesa


Embora a Itália nunca tenha se perdido do ballet clássico, produzindo ao longo da história grande mestres de dança, o gradativo domínio da França se fez óbvio no número cada vez maior de termos em francês. A prevalência desse idioma sobre as demais línguas faladas por povos que praticavam a dança cortesã e depois a dança acadêmica foi inevitável.
Em 1725 o maître-de-ballet Pierre Rameau, que ensinara na corte espanhola, escreveu um pequeno livro intitulado “Le Maitre à Danser – O Maestro de Dança”. Nele, Rameau reafirmava a importância da posição en dehors dos pés e das cinco posições fundamentais da dança acadêmica, passando por um processo seletivo que remontava à Grécia e ao Egito. Os termos já conhecidos apareciam ao lado de outros novos ou já citados. O ballet seguia edificando suas bases de maneira tão sólida, que lhe permitiu evoluir, sofrer contestações e mudanças, mas continuar eternamente, ao que parece, uma forma de expressão artística que encantou e encanta o mundo todo, em todas as idades, realizando a sensibilidade de milhares de executantes e espectadores, além de proporcionar um desenvolvimento técnico praticamente insubstituível para a maior parte dos bailarinos e dançarinos em qualquer tempo.
Esse tratado teve a importância considerável de fixar as normas da dança acadêmica em bases sólidas e que vigorariam até o surgimento da figura de Jean-Georges Noverre.
Noverre é de importância capital na moderna concepção de espetáculo. Suas concepções básicas foram expostas no livro, denominado “Lettres sur la Danse et sur le Ballet – Cartas sobre a Dança e sobre o Ballet” publicado pela primeira vez em 1760. Entre outras definições de importância encontradas em sua obra escrita, podemos citar:
“(...) A dança é a arte de formar com graça, precisão e facilidade o passo e formar as figuras, e a pantomima é a arte de exprimir as emoções pelos gestos. A coreografia deve desenvolver os momentos líricos da ação, através de uma sucessão de passagens dançadas e da ação dramática exprimida pela mímica (...)” 

Admitindo o princípio de que a técnica não é um fim, mas um pré-requisito e um meio necessário, insistiu na obrigação de um forte treinamento para os bailarinos. Seguro e profundo prescreveu regras para a utilização do en dehors e exercícios próprios para o desenvolvimento da extensão e do alongamento das articulações e dos músculos. Podem ser atribuídos a ele a invenção de tours de jambes en dehors e en dedans e dos ports de bras “sem os quais não se adquire expressão”, afirmava. O método francês procura ser fiel às origens e é um dos mais rígidos.
João Rodrigues

terça-feira, 29 de maio de 2012

Canzone a Bailo


O ballet nasceu na Itália. Originou-se das grandes procissões do Teatro Popular Religioso Medieval, onde se cantava e dançava a "canzone a bailo". O bailo, que até a Renascença ocupava as ruas, com a ascensão dos novos senhores aristocratas, imitando a chegada triunfal dos antigos Imperadores Romanos e com o significativo nome de "Triunfos" entrou nas casas renascentistas tendo como dança inicial a Mourisca. Num recinto fechado o grande baile de rua ficou menor, e então se tornou um "balletto" isto é: pequeno baile.
Na era do minueto surgiu o espírito sistemático do ensino do baile. Nesse sistema estava contido o método básico de um esquema de posições invariáveis da cabeça, do tronco, dos braços e das pernas que iniciavam e terminavam cada movimento. Nas posições básicas de pés propostas por Arbeau estavam compreendidas todas as possibilidades de combinar os passos para trás, para frente e para o lado, sem que se perdesse o equilíbrio.
Atribui-se a disposição e aplicação das cinco posições de pés a Charles Louis Pierre Beauchamps.

Como é a escola Italiana?

Pode-se definir “escola”, no sentido artístico, como determinada concepção técnica e estética de Arte seguida por vários artistas, ao mesmo tempo. Seguindo sua própria tradição, a Itália continuou, até o final do século XIX a produzir grandes mestres de dança. Eles não só originaram o que se convencionou chamar de "Escola Italiana de Ballet", que foi muito bem representada por Carlo Blasis e Enrico Cecchetti, como também exerceram notável influência em todas as demais escolas: francesa, dinamarquesa, russa, inglesa, norte-americana e, mais recentemente, na cubana.
Carlo Blasis, natural de Nápoles, nasceu em 1797. Era um homem culto, formado em ciências e arte. Aluno de Jean Dauberval, coreógrafo de “La Fille Mal Gardée”, estreou em Marselha aos doze anos de idade, dançando mais tarde em Portugal, Paris e Milão, onde teve oportunidade de trabalhar com Salvatore Viganò e assimilar-lhe as idéias. Abandonou os palcos cedo por motivo de saúde e passou a se dedicar a seu primeiro tratado de dança, lançado em 1820. Pode-se admitir que todos os preceitos de um moderno método de ensino estão contidos no seu “Traité elementaire theorique et pratique de l"art de Danse (Tratado elementar teórico e prático da arte da Dança): desde o porte à harmonia e coordenação dos braços, do paralelismo dos exercícios a seu aspecto perpendicular e vertical, do equilíbrio ao ligeiro abandono sugeridos para arabesques e poses onde o rosto deve, contudo, manter a vivacidade e a expressividade, do plié às piruetas, do adágio ao allegro.
Para Blasis, o adágio representava o cume da arte de um bailarino. Através dele, Blasis classificou os bailarinos em: trágico, o bailarino nobre de hoje, viril, majestoso, sóbrio, refinado e esteticamente associado às imagens de Apolo ou de Antínoo; e em demi-caractére, o bailarino talhado para danças características, campestres, rústicas, satíricas, onde ele admitia uma figura mais atarracada.
Conhecedor de anatomia, deduziu as atitudes que considerou mais convenientes para um bailarino. Em 1828 complementou seu primeiro tratado escrevendo “Coda de Terpsicore”. Nessa complementação de seus estudos sistemáticos não descartou as teorias formuladas por seus antecessores desde o século XVI, mas propôs modificações nas regras acadêmicas, ângulos mais estéticos, ênfase no emprego do épaulement, além de introduzir a barra como elemento auxiliar nos exercícios preliminares da aula. Teorizou também sobre o sapato de ponta , transformando-se, de acordo com vários autores, no principal pedagogo do Romantismo, já que a necessidade de elevação, ansiosamente buscada na época, passava a ser atendida pelo padrão de beleza estética das bailarinas favorecidas pelo novo acessório.
Daí, para sempre, a sapatilha reforçada na ponta ficou fazendo parte inconfundível da dança acadêmica feminina, estrutura tão nítida dele quanto os  tutus brancos, leves e etéreos que aposentaram os velhos trajes.
Afirmava Blasis:
"(...) Grandes artistas, sejam pintores, poetas ou músicos, precisam ter cuidado para não confundir personalidade com maneirismo de diferentes caracteres. Eles precisam sempre observar tipos distintos e, seguindo-os, desenvolver seu próprio bom-gosto. Interesse-se você mesmo pela composição de dança, buscando novidades de enchâinements , figuras, atitudes e grupos. Dauberval diz: ‘A variedade é um dos charmes da natureza e você não pode sentir prazer se não introduzi-la em suas composições.’ Veja a si mesmo como um pintor harmonizando e combinando uma animação viva com graça e allure (...)"


Enrico Cecchetti é um dos maiores mestres italianos de todos os tempos. Produto da herança tradicional daquela concepção de dança, muito virtuosística, e que valorizava muito os saltos e as baterias, herdou também a teoria didático-pedagógica de Carlo Blasis.
As formas que utilizou para a execução dos changements, assemblés, fouettés e ballottés hoje denominados simplesmente "italianos", ficaram famosas. Na verdade, seus ensinamentos foram incorporados pelos grandes métodos de ensino da atualidade, sem exceção.
Algumas observações de Checchetti sobre a dança acadêmica:
“(...) Não imagine que poderá se transformar em um dançarino em seis meses. Terpsícore é uma deusa ciumenta e, aqueles que buscam fama entre seus cultores devem sacrificar ao seu altar anos de pacientes estudos e horas de labor físico. Sucesso ou fracasso, em qualquer estudo, depende, sobretudo, da maneira como você os iniciou (...) Há centenas de, pseudo professores, poucos dos quais distinguem-se, de fato, na arte de ensinar. Existem bons teóricos que são incapazes de demonstrações práticas; similarmente, há os que demonstram de forma excelente, mas desconhecem os princípios teóricos de sua arte (...) Finalmente, há na dança, como em todas as profissões, impostores e charlatões cuja única qualificação é um conhecimento superficial de termos técnicos dos quais não entende o significado (...) Não escolha um mestre porque fica perto de sua casa, porque as propaganda é sugestiva ou porque tem ligações aristocráticas (...) Lembre-se que um grande bailarino não é necessariamente um bom professor; sobretudo se ele ainda dança. Porque terá dificuldade de se expressar de forma clara e simples, porque pode não ter, ainda, o tempo e o desejo necessários para observar as qualidades e as deficiências de cada aluno. Por fim, ele pode considerar a classe como um todo, indiferente ao fato de que cada estudante precisa ser considerado individualmente, tanto física quanto psicologicamente, e que isso requer adaptações nas aulas a fim de suprir necessidades particulares (...)"


Prosseguindo em suas explanações Cecchetti pergunta:
"(...) Quais as principais qualificações de um professor experiente?” E responde: “ 1º- sua escola – a alma de seu conhecimento pessoal; 2º- sua reputação como professor e sua distinção como bailarino; 3º- suas qualidades pessoais, sua consciência, paciência e capacidade de ser um bom disciplinador; 4º- sua capacidade de demonstrar a prática e expor a teoria; 5º- o resultado atingido por seus alunos; 6º- o número de anos que ele leciona."
Sua estrutura se baseia principalmente na repetição de conjuntos de exercícios aos quais é dedicado um dia de cada semana, embora o próprio Cecchetti tenha frisado que além desses exercícios o professor deve acrescentar a cada dia seqüências de passos compostas por ele mesmo para que os alunos aprendam a assimilar novas seqüências de maneira rápida. Diferente de outros métodos, os passos são iniciados de um lado da perna em uma semana e pelo lado contrário na seguinte, alternadamente.
Uma característica bastante enfatizada é que os estudantes devem pensar no movimento do corpo como um conjunto e não só em cada parte do corpo separadamente, o que serve para valorizar o conceito de linha do corpo e do movimento.
Até hoje são usados cerca de 40 adágios nas seqüências de passos exatamente como Enrico Cecchetti os escreveu. Esses exercícios visam principalmente o equilíbrio em cada perna, a postura bem alinhada e a graciosidade desenvolvida pelos seus exercícios de port du bras.

Porém em toda sua ciência e inalterabilidade o método Cecchetti é criticado por sua monotonia e acusado de não manter o interesse do aluno, críticas às quais seus defensores rebatem dizendo que o aluno não está na aula para se divertir, mas para aprender seu ofício. O método é reconhecido como impulsionador do primor técnico de seus bailarinos, dotando-os de energia, vivacidade, atletismo e virtuosismo sendo codificado e transcrito pela historiadora de dança Cyril Beaumont, supervisionada por Stanislav Idzikovski e pelo próprio Cecchetti, com o nome de The Manual of the Theory and Practice of Classical Theatrical Dancing (Cecchetti Method), que mais tarde recebeu adições de Margareth Craske e Fridericka Derra de Moroda
Para perpetuar esse sistema de ensino, em 1922 foi criada, por Cyril Beaumont, Margareth Craske, Friderica Derra de Moroda,Molly Lake, Jane Forrestier, Marie Rambert, e Ninette de Valois a Cecchetti Society em Londres, que a partir de 1924 foi incorporada à Sociedade Imperial dos Professores de Dança.

João Rodrigues

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sua linguagem é clássica, seu sotaque é americano.


Enfim, depois de muito tempo e paciência, eu e meu blog ficamos amigos novamente. Lembro ter começado uma sequência de postagens sobre os métodos de ensino do ballet clássico utilizados pelo mundo inteiro, dos quais comecei falando sobre o Cubano.
E dando sequência ás postagens, vou falar um pouco sobre o russo, Georges Balanchine.
E realmente, ninguém traduziu melhor em dança o temperamento de um povo do que o fez o russo Balanchine. Todo o sentimento de auto-suficiência e espírito desportista daquela América foi compreendida por ele e expressada em sua escola e sua obra. Vale observar alguns detalhes de sua aula.
O port-du-bras deve apresentar um sentido de liberdade que traduza auto-suficiência e auto-estima. Os braços se cruzam na 3ª posição nos port-du-bras (como se estivéssemos tirando uma blusa) e as mãos devem ter permanente flexibilidade.
As mãos mostram os cinco dedos de maneira acentuada e devem ser livres na sua movimentação e os grands-pliés sobem de uma vez, sem paradas nítidas no demi-plié.
Os saltos devem pousar cuidadosamente no chão e para tanto passam pela meia ponta. Em todos os movimentos em que o calcanhar tenha saído do chão, ao retornar, ele não deve encostar totalmente no chão.
Essa característica de Balanchine acentua a velocidade da execução dos movimentos e contrasta fortemente com a concepção de Vaganova, em que o demi-plié profundo é acentuado, buscando-se, ao colocar o calcanhar no chão, não apenas alongar o tendão de Aquiles, mas também favorecer a altura dos saltos. Ou seja: o bailarino de Balanchine dança numa velocidade muito superior ao russo; em compensação, o bailarino formado pelo método Vaganova tem saltos muito mais altos, o que, obviamente, exige um tempo maior de execução.
Os quatros arabesques são os mesmos adotados por Vaganova. Contudo, Vaganova não acentua o deslocamento do ombro para sugerir a idéia de oposição, de cruzamento entre tronco e quadris, marcantes no estilo Balanchine. Os cotovelos não devem estar esticados além do limite atendendo assim à individualidade de cada anatomia. A cabeça permanece alta, em postura de auto-estima, e o braço é colocado rigorosamente à frente do nariz. No arabesque o quadril é mantido acentuadamente aberto. O pescoço deve estar natural, sem esforço aparente e a compensação do corpo para levantar a perna não é usada.
O eixo central do corpo é sempre a referência da direção da perna e do braço em arabesque. Por isso mesmo, as pernas nas direções devant e derrière são usadas com cruzamento acentuado.
A maître que ilustra as aulas no método de Balanchine chama a atenção para que os movimentos sejam executados pensando-se em cada um no momento em que estão acontecendo. Não se deve sacrificar um movimento em função da dificuldade do movimento seguinte.
Os attitudes derrière, na posição effacé, não são tão alongados que formem um ângulo oblíquo como os russos; tampouco são tão encurtados que formem um ângulo reto como os ingleses. O attitude devant deve ser bem cruzado e por conseqüência só será en dehors dentro da medida do sensato e do possível.
Balanchine usou as aulas para introduzir trechos dos ballets que integram o repertório de sua companhia. Vaganova pouco coreografou, mas ela menciona a importância de serem ensinadas nas aulas trechos de variações de ballets de repertório.
Me apaixonei por sua linha de trabalho quando assisti Serenade, uma de suas obras mais famosas, a coreografia foi criada inicialmente para os alunos da School of American Ballet, e partiu de exercícios que tinham a intenção de mostrar aos alunos a diferença entre o bailado em sala de aula e a dança no palco. Serenade não conta uma história, o que se vê é uma sequência de fatos acontecidos dentro da sala de aula, como por exemplo, a réstia do sol, o atraso e a queda de uma bailarina. Essa magnífica obra teve sua primeira apresentação em 1934 com a própria obra prima em palco, os alunos da escola, e sua estreia profissional deu-se em março de 1935. Serenade também não possui cenário ou objetos cênicos, apenas a luz azul que cria uma atmosfera atemporal e celestial. O figurino é simples, de saias longas de tule que trazem a estética do ballet romântico.

João Rodrigues 



domingo, 12 de fevereiro de 2012

Novos Ares...


Mudei-me para Itajaí há pouco mais de dois meses e ainda tento me acostumar com as aulas de ballet com a Isleide Steil, que seguem a técnica Cubana. Fiquei um tanto perdido no começo, pois até então estava habituado á executar os passos de acordo com o método russo, o Vaganova. E por esse motivo me veio à cabeça a idéia de criar esse post.
Antes de me aprofundar nisso, vamos a uma breve introdução. Sabemos que existem outros programas de treinamento, além do Royal, que os bailarinos podem seguir para tornarem-se profissionais. Todos eles têm diferentes níveis, do iniciante ao avançado, e todos têm vantagens e desvantagens.
As bases da dança clássica são universais, ainda que as diferentes escolas adotem enfoques diferentes e diferentes designações para seus diversos movimentos e exercícios. Exemplificando, o Vaganova adota quatro arabesques no seu método, enquanto que a Royal adota três.
O que contribuiu e muito para que o ensino do ballet se tornasse universal foi a preservação do francês como idioma. Independentemente do número de arabesques adotados, todos os bailarinos sabem o que é uma pose chamada arabesque.
Falando nisso, o 1º arabesque, é igual em todas as escolas.


Alicia Alonso
Ballet Cubano


A metodologia mais nova e também mais inovadora. Suas aulas são bem expansivas e trabalham muito com allegros, batteries e giros. Bailarinos cubanos são conhecidos por sua agilidade e grande força. O Ballet Nacional de Cuba ocupa hoje a posição de uma das maiores companhias de dança do mundo. Criado em 1948 como Escuela Cubana de Ballet, sempre foi reconhecido pela grande capacidade técnica e artística de seus profissionais.
A escola cubana foi desenvolvida a partir da grande influência que os russos exerceram em seu país, e na experiência pessoal de Alicia Alonso, sua figura mais mítica, nos Estados Unidos como figura principal do American Ballet Theatre. Alonso e uma equipe de mestres da dança, respeitando as características biofísicas do povo cubano, se impuseram ao mundo pela excelência dos bailarinos que produziram em pouco tempo.


João Rodrigues

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

2000 e Doze!


            Enfim, chegou a hora de mudar! O blog completa um ano, e está de cara nova! E os números são expressivos. Foram 46 postagens, 83 comentários, 5.962 visualizações e incontáveis novas ideias. E esse ano vamos ir mais além, criando novos tópicos, novos assuntos e mais informações.
            As férias estão aí e em breve o blog retorna com tudo!
Feliz 2012! O ano das mu(danças)!
                                                                                                                                     

João Rodrigues