quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

No país do futebol, meninos escolhem o ballet!

D. S. C., 10 anos, deixou de jogar bola para virar bailarino. Ele já sabia que em casa, a guerra com o pai estava travada. Depois da troca pela dança, eram reclamações atrás de palavras duras dirigidas ao menino, sempre fazendo perguntas sobre a decisão tomada. A resposta era sempre a mesma: "Vou fazer balé".
É assim que muitos garotos são recebidos pela família e pelos amigos quando decidem que querem iniciar os estudos das piruetas e dos saltos. Talvez pela exigência de certa sensibilidade ou pela malha colada no corpo, o preconceito contra os homens que ingressam nessa arte é cada vez maior. Ao iniciar as aulas, D, que foi influenciado pela irmã, acabou chamando a atenção do caçula, C. S. C., nove anos, que antes ajudava, com o pai, a tirar sarro e fazer brincadeiras de mau gosto do irmão mais velho.
A família mora em Diadema, São Paulo, onde fica a Associação Passo a Passo. É lá que cerca de 230 jovens desenvolvem talentos, tendo aulas grátis de balé clássico. Entre os estudantes, quatro são garotos. Além das aulas de balé, as crianças e os adolescentes da OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) visitam museus, assistem espetáculos de dança e aprendem histórias de grandes nomes da arte.
A mãe dos bailarinos C. e D. Elizabete da Silva Costa, 35, apóia a iniciativa do filho: "Eu aceitei normal, foi fácil. (...) Pro pai dele foi difícil, muito difícil". Ela declara que, na concepção do pai, o menino ia virar gay se dançasse balé e que demorou cerca de sete meses para que se acostumasse com a idéia da troca de chuteiras por sapatilhas. "Mas a primeira vez que ele conseguiu ver uma apresentação ele mudou de idéia, ele viu que não era nada daquilo que ele tava pensando".
Ela aponta a dificuldade que os meninos enfrentam por ter escolhido uma arte que, na concepção de muitos, é fundamental para a formação das garotas. "Às vezes aconteceu de pessoas, parentes de 30 anos ficarem criticando, falando, pondo apelido. (...) Eu acho isso tão chato porque fazer isso com uma criança, eles não têm idéia do que tá acontecendo".
O preconceito aos homens na dança nem sempre foi dessa forma. No início da história do balé, cerca de 500 anos atrás, os homens faziam os papéis femininos e masculinos, não havendo, assim, a necessidade de bailarinas. Só em 1832, o balé "La Sylphide" colocou uma bailarina em primeiro plano, deixando a dança mais romântica. Depois disso, o papel do sexo masculino voltou a ter destaque com alguns nomes famosos, como Vaslav Nijinski e Maurice Béjart, no século 20.
M. M., 9, que também prefere o colant ao uniforme de futebol, já sofreu agressões verbais na escola: "Eu tava na sala, aí um menino subiu na cadeira e começou a dizer: 'Ó, o bailarino, o bailarino, a bicha'. Eu fiquei com vergonha". M. também freqüenta a Passo a Passo e no meio da família não teve o apoio dos pais nem do padrasto. Segundo Elizabete, amiga da mãe de M., não adianta querer barrar com as aulas, pois acaba atrapalhando até no desenvolvimento escolar. "É difícil pra ele, né? Uma criança dessa idade entender isso. Porque acho que ele imagina assim: 'Não fiz nada de errado".
Já para Átila Augusto Monrand, 22, o caso foi diferente. A família não se assustou com sua decisão de ingressar no balé. Sempre teve o apoio dos pais, que já estavam acostumados com seu "jeito despirocado", mas confessa que já se sentiu prejudicado pelo preconceito, apesar de dançar a apenas um ano.
Ele conta que uma vez ensaiou uma coreografia para ser apresentada em um parque, e no final apareceria vestido de dançarina. "Era uma coisa meio pastelão, assim, tinha um pouco de comédia no meio". Na hora da apresentação, desistiu da idéia: "Eu realmente não quis dançar porque achei muito arriscado. Era um público que não era selecionado". Conta que foi podado por um preconceito da sociedade e que se acontecesse outra vez é provável que tomasse a mesma decisão. "Se fosse uma coreografia normal, (...) mas o fato de eu estar vestido de mulher, rola o duplo preconceito: contra o homem que faz balé e o preconceito de orientação sexual".
Para quem não tem o costume de subir num palco, fica difícil compreender o que leva esses garotos e homens a optarem pelo balé e enfrentarem pressão de quase todos os lados. A energia, o amor pela dança, parece falar mais alto no caso desses bailarinos. M. sente alegria quando dança. Por isso quer se tornar um profissional. Átila diz que ama dançar e sente falta se fica sem: "Eu me sinto muito bem dançando".

2 comentários:

Anônimo disse...

Sinto orgulho em dizer que sou bailarino clássico, e mais orgulho ainda de contar que nunca recebi preconceito por dançar, pelo contrário, recebi respeito e admiração. Se todos soubessem toda a história do ballet, creio eu que essa besteira de preconceito não existiria. Gay por gay existe em qualquer profissão, inclusive no futebol. "Meu nome é Rodrigo, sou heterossexual e bailarino clássico!"

Unknown disse...

O Rodrigo falou tudo!

"Gay por gay existe em qualquer profissão, inclusive no futebol. "Meu nome é Lucas, sou heterossexual e bailarino contemporâneo!"