quarta-feira, 30 de maio de 2012

A Russa Agripina


Agripina Vaganova foi a primeira bailarina a perceber a importância de um programa de ensino. Ao codificar seus “Princípios básicos do ballet clássico”, livro adotado no mundo inteiro, ela não apenas dividiu o ensino em diferentes níveis, como conferiu a cada um deles um programa determinado a ser seguido.
Os programas de ensino funcionam como uma ferramenta guia para o professor e como orientação para estudantes em vias de profissionalização. A organização e progressividade do conteúdo dos diversos níveis de ensino e das aulas diárias são muito bem contempladas nas diversas escolas, revelando a decomposição de cada movimento ou exercício adotado pelo vocabulário do ballet clássico e revelando e registrando para o estudante a lógica de sua construção.
Movimentos como dessus e dessous, freqüentemente traduzidos pelo professor como “para frente – en avant, ou para trás - en arrière” – são esclarecidos dirimindo as dúvidas possíveis. De fato, dessus significa por cima - sobre, e dessous - sob. Exemplificando, o movimento para frente não necessariamente envolve a idéia contida no dessus.
Uma maneira fácil de ensinar o sentido do dessus e do dessous é deitar o aluno no chão e orientá-lo a executar, deitado, a 5ª posição de pés. Imaginando-se a perna direita por baixo da esquerda, pedir ao aluno para passar a perna direita por cima da esquerda, o dessus; o movimento contrário executado com a mesma perna, passando-a por baixo da outra perna, representa o dessous.
Diz Vaganova:
 “(...) Os exercícios diariamente ensinados na barra vão, gradativamente sendo levados para o centro. O adágio e o allegro são trabalhos que se seguem nos exercícios do centro. Os bons hábitos adquiridos pelos estudantes nos exercícios devem ser mantidos na prática diária e devem ser baseados em estritas regras metodológicas (...) O trabalho acumulado durante as lições deve ser equilibradamente distribuído por todos os exercícios. Se o professor entender que é necessário, por exemplo, intensificar o número de repetições de certos movimentos, então ele poderá diminuir a quantidade de exercícios seguintes, uma vez que toda sobrecarga de trabalho é nociva e conduz ao enfraquecimento da musculatura e dos ligamentos. Como resultado disso, as pernas podem facilmente serem prejudicadas.”

E enfatiza:
“(...) A seqüência dos exercícios não deve ser casual. Dependendo do grau de dificuldade, o professor deve adotar uma combinação lógica e útil dos movimentos e não ligá-los em combinações meramente considerando o desenho (...)”
Vaganova dá muita ênfase à busca da estabilidade como um dos elementos estruturais da dança clássica:
(...) Para alcançar a estabilidade se faz necessário dar ao corpo condições de manter-se seguro e firme nas diversas poses e exercícios sobre o pé inteiro, na meia ponta e na ponta, tanto no trabalho de saltos e giros, à terre ou en l‘air e nas conclusões de movimentos, evitando mexer a perna de base ou quicar sobre ela. Será, igualmente, de fundamental importância para o trabalho de pas-de-deux... O desenvolvimento da estabilidade tem início no primeiro ano, em exercícios de barra, quando o aluno começa a entender a distribuição do peso do corpo sobre uma ou sobre ambas as pernas. A fonte da estabilidade localiza-se na coluna e sua base repousa na preservação do eixo vertical que passa pelo meio da cabeça e do corpo e vai até o peito do pé de base colocado inteiro no chão. O equilíbrio vai depender da combinação do peso do corpo corretamente colocado sobre o eixo e da sua postura alongada (...)"

De acordo com Vaganova, na sua forma final, o acento do frappé, exercício cuja utilidade depende da dinâmica de sua execução, recai, obrigatoriamente, para fora. Exercícios com acentos para dentro podem ser ministrados com a função de destacar a diferença entre as duas acentuações. O acento que recai para dentro transforma o battement frappé, praticamente em um balloné.
A seqüência dos exercícios da barra não é determinada displicentemente. É sim, o resultado de um longo curso de desenvolvimento, onde os professores introduzem muitas mudanças e muitas contribuições.
Vaganova considera a posição sur le cou-de-pied de pés - quando os dedos envolvem o tornozelo – como devant, mas ela pode ser considerada básica à medida que coloca o pé na posição correta em qualquer direção par terre ou en l’air. Sua aplicação deve ser adotada ao longo de toda a vida do bailarino.
Os exercícios executados no centro da sala têm a mesma importância e desenvolvimento dos feitos na barra e sua seqüência é, basicamente, a mesma. Contudo, é consideravelmente mais difícil preservar o en dehors das pernas e a estabilidade do corpo, especialmente na meia ponta, sem a ajuda da barra.

Adágio
Sempre enfocando a escola de Vaganova, ela chama adágio ao fraseado da dança que consiste em vários tipos de developpés, relevés lent (degagés en l’air), tours lents (promenades), port du bras, todos os tipos de renversés, grand fouettés , tours sur le cou-de-pied e tours em grandes poses. Os movimentos do adágio são aprendidos gradativamente.
Nas classes elementares o adágio compõe-se de formas simples de degagés en l’air à 90º, developpés e ports-du-bras executados em tempo lento e sobre o pé inteiro; nas intermediárias o adágio é complicado por piruetas em grandes poses, estabilidade prolongada na meia ponta em poses à 90º, preparações para tours, tours sur le cou-de-pied, Transferências de uma pose para outra, etc. O tempo do adágio torna-se, então, ligeiramente acelerado em relação às classes elementares; nas adiantadas o conceito de adágio adquire caráter relativo, uma vez que passa a ser construído não somente em andamentos moderados, mas também em tempos mais acelerados, incluindo-se até vários saltos. Deixa, então, de ser um adágio “típico”, porque essa aceleração e sua qualidade dinâmica levam-no próximo ao allegro. De fato, ele prepara o corpo para os allegros.

Allegro
Os saltos são a parte mais difícil das aulas. Tudo o que é produzido pelos exercícios da barra, do centro e pelo adágio estão diretamente ligados aos saltos e de muitas maneiras favorecem o seu desenvolvimento. Mas uma atenção especial deve ser concedida aos próprios saltos. Um salto vai depender da força dos músculos da perna, da elasticidade e força dos ligamentos dos pés e dos joelhos, do desenvolvimento do tendão de Aquiles, da força dos dedos e, especialmente, da força das coxas.
Cada novo salto é estudado frente à barra, depois do que passa a ser praticado na barra e no centro da sala.
Os saltos de 2 para 2 pernas devem preceder os demais, não apenas na etapa de sua iniciação no programa de ensino, mas nas aulas diárias ao longo de toda a vida do bailarino. Aos de 2 para 2 pernas devem se seguir os saltos de 2 para 1, de 1 para duas e de 1 para 1 perna, numa evolução gradativa.
Depois disso as dificuldades técnicas dos grandes saltos podem ser introduzidas, seguidas pelas combinações de pequenos saltos com baterias. A escola de Vaganova tem vários pontos importantes que não poderiam estar resumidos em um ensaio, dentre os quais a valorização do épaulement, elemento fortemente presente nas danças populares russas, e o excepcional trabalho de braços e de mãos.
João Rodrigues

A Escola Francesa


Embora a Itália nunca tenha se perdido do ballet clássico, produzindo ao longo da história grande mestres de dança, o gradativo domínio da França se fez óbvio no número cada vez maior de termos em francês. A prevalência desse idioma sobre as demais línguas faladas por povos que praticavam a dança cortesã e depois a dança acadêmica foi inevitável.
Em 1725 o maître-de-ballet Pierre Rameau, que ensinara na corte espanhola, escreveu um pequeno livro intitulado “Le Maitre à Danser – O Maestro de Dança”. Nele, Rameau reafirmava a importância da posição en dehors dos pés e das cinco posições fundamentais da dança acadêmica, passando por um processo seletivo que remontava à Grécia e ao Egito. Os termos já conhecidos apareciam ao lado de outros novos ou já citados. O ballet seguia edificando suas bases de maneira tão sólida, que lhe permitiu evoluir, sofrer contestações e mudanças, mas continuar eternamente, ao que parece, uma forma de expressão artística que encantou e encanta o mundo todo, em todas as idades, realizando a sensibilidade de milhares de executantes e espectadores, além de proporcionar um desenvolvimento técnico praticamente insubstituível para a maior parte dos bailarinos e dançarinos em qualquer tempo.
Esse tratado teve a importância considerável de fixar as normas da dança acadêmica em bases sólidas e que vigorariam até o surgimento da figura de Jean-Georges Noverre.
Noverre é de importância capital na moderna concepção de espetáculo. Suas concepções básicas foram expostas no livro, denominado “Lettres sur la Danse et sur le Ballet – Cartas sobre a Dança e sobre o Ballet” publicado pela primeira vez em 1760. Entre outras definições de importância encontradas em sua obra escrita, podemos citar:
“(...) A dança é a arte de formar com graça, precisão e facilidade o passo e formar as figuras, e a pantomima é a arte de exprimir as emoções pelos gestos. A coreografia deve desenvolver os momentos líricos da ação, através de uma sucessão de passagens dançadas e da ação dramática exprimida pela mímica (...)” 

Admitindo o princípio de que a técnica não é um fim, mas um pré-requisito e um meio necessário, insistiu na obrigação de um forte treinamento para os bailarinos. Seguro e profundo prescreveu regras para a utilização do en dehors e exercícios próprios para o desenvolvimento da extensão e do alongamento das articulações e dos músculos. Podem ser atribuídos a ele a invenção de tours de jambes en dehors e en dedans e dos ports de bras “sem os quais não se adquire expressão”, afirmava. O método francês procura ser fiel às origens e é um dos mais rígidos.
João Rodrigues

terça-feira, 29 de maio de 2012

Canzone a Bailo


O ballet nasceu na Itália. Originou-se das grandes procissões do Teatro Popular Religioso Medieval, onde se cantava e dançava a "canzone a bailo". O bailo, que até a Renascença ocupava as ruas, com a ascensão dos novos senhores aristocratas, imitando a chegada triunfal dos antigos Imperadores Romanos e com o significativo nome de "Triunfos" entrou nas casas renascentistas tendo como dança inicial a Mourisca. Num recinto fechado o grande baile de rua ficou menor, e então se tornou um "balletto" isto é: pequeno baile.
Na era do minueto surgiu o espírito sistemático do ensino do baile. Nesse sistema estava contido o método básico de um esquema de posições invariáveis da cabeça, do tronco, dos braços e das pernas que iniciavam e terminavam cada movimento. Nas posições básicas de pés propostas por Arbeau estavam compreendidas todas as possibilidades de combinar os passos para trás, para frente e para o lado, sem que se perdesse o equilíbrio.
Atribui-se a disposição e aplicação das cinco posições de pés a Charles Louis Pierre Beauchamps.

Como é a escola Italiana?

Pode-se definir “escola”, no sentido artístico, como determinada concepção técnica e estética de Arte seguida por vários artistas, ao mesmo tempo. Seguindo sua própria tradição, a Itália continuou, até o final do século XIX a produzir grandes mestres de dança. Eles não só originaram o que se convencionou chamar de "Escola Italiana de Ballet", que foi muito bem representada por Carlo Blasis e Enrico Cecchetti, como também exerceram notável influência em todas as demais escolas: francesa, dinamarquesa, russa, inglesa, norte-americana e, mais recentemente, na cubana.
Carlo Blasis, natural de Nápoles, nasceu em 1797. Era um homem culto, formado em ciências e arte. Aluno de Jean Dauberval, coreógrafo de “La Fille Mal Gardée”, estreou em Marselha aos doze anos de idade, dançando mais tarde em Portugal, Paris e Milão, onde teve oportunidade de trabalhar com Salvatore Viganò e assimilar-lhe as idéias. Abandonou os palcos cedo por motivo de saúde e passou a se dedicar a seu primeiro tratado de dança, lançado em 1820. Pode-se admitir que todos os preceitos de um moderno método de ensino estão contidos no seu “Traité elementaire theorique et pratique de l"art de Danse (Tratado elementar teórico e prático da arte da Dança): desde o porte à harmonia e coordenação dos braços, do paralelismo dos exercícios a seu aspecto perpendicular e vertical, do equilíbrio ao ligeiro abandono sugeridos para arabesques e poses onde o rosto deve, contudo, manter a vivacidade e a expressividade, do plié às piruetas, do adágio ao allegro.
Para Blasis, o adágio representava o cume da arte de um bailarino. Através dele, Blasis classificou os bailarinos em: trágico, o bailarino nobre de hoje, viril, majestoso, sóbrio, refinado e esteticamente associado às imagens de Apolo ou de Antínoo; e em demi-caractére, o bailarino talhado para danças características, campestres, rústicas, satíricas, onde ele admitia uma figura mais atarracada.
Conhecedor de anatomia, deduziu as atitudes que considerou mais convenientes para um bailarino. Em 1828 complementou seu primeiro tratado escrevendo “Coda de Terpsicore”. Nessa complementação de seus estudos sistemáticos não descartou as teorias formuladas por seus antecessores desde o século XVI, mas propôs modificações nas regras acadêmicas, ângulos mais estéticos, ênfase no emprego do épaulement, além de introduzir a barra como elemento auxiliar nos exercícios preliminares da aula. Teorizou também sobre o sapato de ponta , transformando-se, de acordo com vários autores, no principal pedagogo do Romantismo, já que a necessidade de elevação, ansiosamente buscada na época, passava a ser atendida pelo padrão de beleza estética das bailarinas favorecidas pelo novo acessório.
Daí, para sempre, a sapatilha reforçada na ponta ficou fazendo parte inconfundível da dança acadêmica feminina, estrutura tão nítida dele quanto os  tutus brancos, leves e etéreos que aposentaram os velhos trajes.
Afirmava Blasis:
"(...) Grandes artistas, sejam pintores, poetas ou músicos, precisam ter cuidado para não confundir personalidade com maneirismo de diferentes caracteres. Eles precisam sempre observar tipos distintos e, seguindo-os, desenvolver seu próprio bom-gosto. Interesse-se você mesmo pela composição de dança, buscando novidades de enchâinements , figuras, atitudes e grupos. Dauberval diz: ‘A variedade é um dos charmes da natureza e você não pode sentir prazer se não introduzi-la em suas composições.’ Veja a si mesmo como um pintor harmonizando e combinando uma animação viva com graça e allure (...)"


Enrico Cecchetti é um dos maiores mestres italianos de todos os tempos. Produto da herança tradicional daquela concepção de dança, muito virtuosística, e que valorizava muito os saltos e as baterias, herdou também a teoria didático-pedagógica de Carlo Blasis.
As formas que utilizou para a execução dos changements, assemblés, fouettés e ballottés hoje denominados simplesmente "italianos", ficaram famosas. Na verdade, seus ensinamentos foram incorporados pelos grandes métodos de ensino da atualidade, sem exceção.
Algumas observações de Checchetti sobre a dança acadêmica:
“(...) Não imagine que poderá se transformar em um dançarino em seis meses. Terpsícore é uma deusa ciumenta e, aqueles que buscam fama entre seus cultores devem sacrificar ao seu altar anos de pacientes estudos e horas de labor físico. Sucesso ou fracasso, em qualquer estudo, depende, sobretudo, da maneira como você os iniciou (...) Há centenas de, pseudo professores, poucos dos quais distinguem-se, de fato, na arte de ensinar. Existem bons teóricos que são incapazes de demonstrações práticas; similarmente, há os que demonstram de forma excelente, mas desconhecem os princípios teóricos de sua arte (...) Finalmente, há na dança, como em todas as profissões, impostores e charlatões cuja única qualificação é um conhecimento superficial de termos técnicos dos quais não entende o significado (...) Não escolha um mestre porque fica perto de sua casa, porque as propaganda é sugestiva ou porque tem ligações aristocráticas (...) Lembre-se que um grande bailarino não é necessariamente um bom professor; sobretudo se ele ainda dança. Porque terá dificuldade de se expressar de forma clara e simples, porque pode não ter, ainda, o tempo e o desejo necessários para observar as qualidades e as deficiências de cada aluno. Por fim, ele pode considerar a classe como um todo, indiferente ao fato de que cada estudante precisa ser considerado individualmente, tanto física quanto psicologicamente, e que isso requer adaptações nas aulas a fim de suprir necessidades particulares (...)"


Prosseguindo em suas explanações Cecchetti pergunta:
"(...) Quais as principais qualificações de um professor experiente?” E responde: “ 1º- sua escola – a alma de seu conhecimento pessoal; 2º- sua reputação como professor e sua distinção como bailarino; 3º- suas qualidades pessoais, sua consciência, paciência e capacidade de ser um bom disciplinador; 4º- sua capacidade de demonstrar a prática e expor a teoria; 5º- o resultado atingido por seus alunos; 6º- o número de anos que ele leciona."
Sua estrutura se baseia principalmente na repetição de conjuntos de exercícios aos quais é dedicado um dia de cada semana, embora o próprio Cecchetti tenha frisado que além desses exercícios o professor deve acrescentar a cada dia seqüências de passos compostas por ele mesmo para que os alunos aprendam a assimilar novas seqüências de maneira rápida. Diferente de outros métodos, os passos são iniciados de um lado da perna em uma semana e pelo lado contrário na seguinte, alternadamente.
Uma característica bastante enfatizada é que os estudantes devem pensar no movimento do corpo como um conjunto e não só em cada parte do corpo separadamente, o que serve para valorizar o conceito de linha do corpo e do movimento.
Até hoje são usados cerca de 40 adágios nas seqüências de passos exatamente como Enrico Cecchetti os escreveu. Esses exercícios visam principalmente o equilíbrio em cada perna, a postura bem alinhada e a graciosidade desenvolvida pelos seus exercícios de port du bras.

Porém em toda sua ciência e inalterabilidade o método Cecchetti é criticado por sua monotonia e acusado de não manter o interesse do aluno, críticas às quais seus defensores rebatem dizendo que o aluno não está na aula para se divertir, mas para aprender seu ofício. O método é reconhecido como impulsionador do primor técnico de seus bailarinos, dotando-os de energia, vivacidade, atletismo e virtuosismo sendo codificado e transcrito pela historiadora de dança Cyril Beaumont, supervisionada por Stanislav Idzikovski e pelo próprio Cecchetti, com o nome de The Manual of the Theory and Practice of Classical Theatrical Dancing (Cecchetti Method), que mais tarde recebeu adições de Margareth Craske e Fridericka Derra de Moroda
Para perpetuar esse sistema de ensino, em 1922 foi criada, por Cyril Beaumont, Margareth Craske, Friderica Derra de Moroda,Molly Lake, Jane Forrestier, Marie Rambert, e Ninette de Valois a Cecchetti Society em Londres, que a partir de 1924 foi incorporada à Sociedade Imperial dos Professores de Dança.

João Rodrigues

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Sua linguagem é clássica, seu sotaque é americano.


Enfim, depois de muito tempo e paciência, eu e meu blog ficamos amigos novamente. Lembro ter começado uma sequência de postagens sobre os métodos de ensino do ballet clássico utilizados pelo mundo inteiro, dos quais comecei falando sobre o Cubano.
E dando sequência ás postagens, vou falar um pouco sobre o russo, Georges Balanchine.
E realmente, ninguém traduziu melhor em dança o temperamento de um povo do que o fez o russo Balanchine. Todo o sentimento de auto-suficiência e espírito desportista daquela América foi compreendida por ele e expressada em sua escola e sua obra. Vale observar alguns detalhes de sua aula.
O port-du-bras deve apresentar um sentido de liberdade que traduza auto-suficiência e auto-estima. Os braços se cruzam na 3ª posição nos port-du-bras (como se estivéssemos tirando uma blusa) e as mãos devem ter permanente flexibilidade.
As mãos mostram os cinco dedos de maneira acentuada e devem ser livres na sua movimentação e os grands-pliés sobem de uma vez, sem paradas nítidas no demi-plié.
Os saltos devem pousar cuidadosamente no chão e para tanto passam pela meia ponta. Em todos os movimentos em que o calcanhar tenha saído do chão, ao retornar, ele não deve encostar totalmente no chão.
Essa característica de Balanchine acentua a velocidade da execução dos movimentos e contrasta fortemente com a concepção de Vaganova, em que o demi-plié profundo é acentuado, buscando-se, ao colocar o calcanhar no chão, não apenas alongar o tendão de Aquiles, mas também favorecer a altura dos saltos. Ou seja: o bailarino de Balanchine dança numa velocidade muito superior ao russo; em compensação, o bailarino formado pelo método Vaganova tem saltos muito mais altos, o que, obviamente, exige um tempo maior de execução.
Os quatros arabesques são os mesmos adotados por Vaganova. Contudo, Vaganova não acentua o deslocamento do ombro para sugerir a idéia de oposição, de cruzamento entre tronco e quadris, marcantes no estilo Balanchine. Os cotovelos não devem estar esticados além do limite atendendo assim à individualidade de cada anatomia. A cabeça permanece alta, em postura de auto-estima, e o braço é colocado rigorosamente à frente do nariz. No arabesque o quadril é mantido acentuadamente aberto. O pescoço deve estar natural, sem esforço aparente e a compensação do corpo para levantar a perna não é usada.
O eixo central do corpo é sempre a referência da direção da perna e do braço em arabesque. Por isso mesmo, as pernas nas direções devant e derrière são usadas com cruzamento acentuado.
A maître que ilustra as aulas no método de Balanchine chama a atenção para que os movimentos sejam executados pensando-se em cada um no momento em que estão acontecendo. Não se deve sacrificar um movimento em função da dificuldade do movimento seguinte.
Os attitudes derrière, na posição effacé, não são tão alongados que formem um ângulo oblíquo como os russos; tampouco são tão encurtados que formem um ângulo reto como os ingleses. O attitude devant deve ser bem cruzado e por conseqüência só será en dehors dentro da medida do sensato e do possível.
Balanchine usou as aulas para introduzir trechos dos ballets que integram o repertório de sua companhia. Vaganova pouco coreografou, mas ela menciona a importância de serem ensinadas nas aulas trechos de variações de ballets de repertório.
Me apaixonei por sua linha de trabalho quando assisti Serenade, uma de suas obras mais famosas, a coreografia foi criada inicialmente para os alunos da School of American Ballet, e partiu de exercícios que tinham a intenção de mostrar aos alunos a diferença entre o bailado em sala de aula e a dança no palco. Serenade não conta uma história, o que se vê é uma sequência de fatos acontecidos dentro da sala de aula, como por exemplo, a réstia do sol, o atraso e a queda de uma bailarina. Essa magnífica obra teve sua primeira apresentação em 1934 com a própria obra prima em palco, os alunos da escola, e sua estreia profissional deu-se em março de 1935. Serenade também não possui cenário ou objetos cênicos, apenas a luz azul que cria uma atmosfera atemporal e celestial. O figurino é simples, de saias longas de tule que trazem a estética do ballet romântico.

João Rodrigues